“Faz uma semana desde a prisão do lorde pirata Baltazar Terceiro, mas nossos ouvintes ainda perguntam quais serão as conseqüências. Hoje eu e nossos convidados vamos discutir: será este o fim do crime na cidade, ou o começo de uma guerra nas ruas?”
-A Voz De Nova Glória
Nos túneis sob Nova Glória, capitão Jonas fugia de um assassino.
Ele andava apressado pelo labirinto subterrâneo, mas não ousou correr ou sacar sua arma, tentando se passar por uma vítima desprevenida.
-Eli, você está aí? – Ele Gritou ao passar por uma encruzilhada de túneis. –Você está vivo? Se não, por favor, não responda.
A única resposta foi o som de sua voz ecoando pelos corredores. Jonas escolheu um dos túneis ao redor e seguiu pelo caminho a passos ligeiros, continuando a gritar por seu amigo e a olhar constantemente por cima de seus ombros.
A procura por Eli Aros era um motivo para vigiar os arredores e se mover rapidamente sem causar suspeitas, embora Jonas não tenha encontrado aquele que o perseguia nem o tesoureiro. Os únicos sinais de vida que percebia eram os seus próprios, os dos ratos na ventilação e os lagartos que os caçavam.
Ainda sim Jonas tinha certeza que havia alguém lhe seguindo. Alguém perigoso. Não havia como provar, mas seus instintos e sua experiência com tentativas de assassinato lhe diziam para andar com precaução, desconfiar de cada sombra e manter a pistola ao alcance.
No caminho encontrou um mapa preso á parede que mostrava os caminhos para todos os pontos de importância daquele nível. No topo do mapa havia escrito ”Sub-Glória”, o nome dado á rede de túneis e câmaras no subterrâneo da lua.
Jonas parou em frente ao mapa e tentou decifrar o paradeiro de seu colega, torcendo para não ser interrompido por um tiro na nuca.
Fazia três dias desde o desaparecimento de Eli Aros. Ele já havia se tornado uma visão rara nos dias anteriores, saindo do Açucareiro logo depois do amanhecer e voltando tarde da noite, raramente encontrando seus colegas do Robalo ou informando aonde ia. O último a vê-lo foi a atendente do Açucareiro, com quem ele comentou estar procurando pelo melhor mecânico da cidade, uma pista que Jonas usou para rastrear seu colega até Sub-Glória.
Jonas passou um dedo pela superfície do mapa, decorando a localização e função de cada sala, e parou sobre um circulo pintado de vermelho-sangue ao lado das palavras “Câmara de Giroscópio”. Ele decidiu que aquela seria sua próxima parada e partiu, com andar apressado e ouvidos atentos.
As paredes dos túneis e seus encanamentos eram repletos de runas, que se tornavam cada vez mais presentes à medida que se aproximavam da Câmara de Giroscópio.
Runas de Tempestade geravam eletricidade para as baterias e ar para a cidade acima; Runas de Sol traziam luz e calor; Runas de Nevasca protegiam as maquinas contra o superaquecimento e geravam água para as reservas; E por fim havia as Runas de Ferro, fortalecendo o metal contra a ferrugem e o desgaste dos outros símbolos.
Logo as passagens se tornaram como páginas de um livro, ocupadas por linhas e mais linhas de letras exóticas. Jonas teve de manter as mãos longe das paredes para evitar perder os dedos.
O eco de uma voz veio do final do caminho, da direção da Câmara de Giroscópio na forma de grunhidos e palavras quase inaudíveis. Jonas se aproximou cautelosamente enquanto tentava decifrar o que a voz dizia, mas ela parou antes de chegar perto o bastante para escutar.
Ele havia chegado á um corredor escuro, cujas Runas de Sol haviam parado de funcionar. A sua frente havia uma porta de ferro.
Quando chegou a porta ele se abaixou, andando com os joelhos dobrados e apoiando seus passos pelos calcanhares, diminuindo o som de seus movimentos para poder se aproximar furtivamente. Jonas não sabia quem estava do outro lado, mas não queria se arriscar. Cautelosamente ele empurrou a grande porta de ferro, tentando abrir uma fresta pela poderia espiar.
Um grito desesperado de dor veio de dentro da sala. Era a voz de Eli.
Jonas abandonou a sutileza e avançou para dentro, sacando a pistola.
Do outro lado estava Eli Aros, segurando sua própria mão com dois dedos na boca, próximo á uma porta de cofre repleta de runas e eletricidade.
-Anh… Olá capitão. – Disse Eli, paralisado e encarando o cano da arma apontada para seu rosto. – Espero que esta não seja sua forma de me demitir. Uma carta seria o bastante.
-Desculpe. – Jonas guardou a pistola. – Ouvi seu grito e achei que estavam te torturando.
-Quem estaria me torturando nesta parte de Sub-Glória?
-Eu não sei. – Jonas respondeu. – Mas já fizemos alguns inimigos por aqui, e é fácil pensar o pior quando seu amigo desaparece sem aviso.
-Eu não desapareci sem aviso. Deixei uma nota com explicações em minha cama.
-Um pedaço de papel que só dizia quanto dinheiro levou. Mas nada sobre por que desapareceu durante dias e sem falar com ninguém.
-Bem, senhor capitão, eu estive procurando por candidatos á tripulantes, um marceneiro, um navegador, fornecedores de suprimentos, mapas atualizados deste sistema solar e agora estou procurando por um mecânico para reparar os imensos estragos no seu navio. – Eli listava os itens em seus dedos. – Enfim, estive ocupado trabalhando por seu projeto de tripulação. Acredito que isto seja mais importante que sua paranóia.
Jonas respirou profundamente antes de responder.
-Podemos discutir quando voltarmos ao açucareiro. Agora só estou feliz de você estar vivo.
-Obrigado. – Eli terminou de examinar a queimadura em seu dedo e o escondeu no bolso. – Só por curiosidade, como me encontrou?
-Eu andei perguntando por aí e seguindo o rastro de pessoas com quem andou falando. A última pessoa da trilha disse que viu um careca com topete de árvore procurando o melhor mecânico da cidade em Sub-Glória. O Giroscópio é o aparelho que mais precisa de atenção e reparos nesta parte dos túneis, então aqui estamos.
-Ah, faz sentido. Por onde anda nossa colega Agnae?
-Ela está cuidando do resto dos piratas da Barracuda. – Disse Jonas. – Sabe… Aqueles que juraram vingança e querem nos matar. Ela disse que achou a nova base deles.
-Não vejo você se preocupando com ela.
-É a Movna. Estou mais preocupado é com os danos colaterais.
-Pelo menos é bom que nos livremos destes piratas de uma vez. – Eli disse. – Não quero perder mais tempo me preocupando com tentativas de vingança.
Jonas pensou em sua viagem paranóica até ali, sendo perseguido por uma figura que podia sequer existir, mas não comentou sobre ela, apenas cruzou os braços e começou a andar em círculos pela sala.
-Agora que está aqui pode me ajudar a abrir esta porta? – Eli sugeriu.
No fim da sala, levando para a Câmara de Gravidade em sí, havia uma grande porta de cofre: Um círculo de dois metros de diâmetro feito de ferro puro. Pela sua superfície havia alavancas, fios de cobre, manivelas, barômetros e o segredo no centro que abriria a entrada. Em cada peça e cada espaço livre havia pelo menos um par de runas, de Tempestade e Ferro. Ocasionalmente minúsculos relâmpagos surgiam do metal para chicotear o ar, e ela exalava um forte cheiro de cobre queimado e ozônio.
-O mecânico instalou essa espécie de quebra-cabeça impedindo a entrada. Uma série de peças tem de ser manipuladas para divergir a eletricidade e o segredo poder ser tocado sem que você seja eletrocutado. Por sorte sei pelo menos os números da senha. – Eli se curvou para o lado, tentando analisar o quebra-cabeça por outro ângulo. – Estou tentando resolver isto há três horas e tudo que consegui foi decifrar as peças externas.
-Ah, então é um Ferreiro. – Jonas falou enquanto circulava de olhos fechados e prestando atenção em seus próprios passos.
-Sim, é provável que o mecânico tenha forjado suas próprias peças para este projeto…
-Não um ferreiro, um Ferreiro da Caligrafia Imaculada. – Jonas interrompeu, e recebeu uma expressão duvidosa como resposta. – Eles são um culto dos Cavaleiros Hospitalários. Para eles escrever runas e construir máquina com elas é uma atividade sagrada, um tipo de caminho para a iluminação. Já vi coisas parecidas, são testes para só os “iluminados” especialistas em runas poderem entrar.
-Estranho. – Eli resmungou. – Já visitei os territórios Hospitalários diversas vezes e nunca encontrei uma invenção como esta.
-Tente invadir uma base militar da próxima vez. Os quebra-cabeças que vi na guerra teriam arrancado seu braço inteiro. Uma vez precisamos de um mecânico que pudesse suprimir as runas a dois metros de distância… –Jonas conteve sua nostalgia e continuou a falar. – Todos os enigmas que vi precisaram de um especialista em runas para abrir.
-Certo. – Eli sussurrou para si mesmo, tamborilando seus dedos contra o lado de sua perna. – Então a solução deve começar pelas runas em si, e as peças físicas devem ser parte secundária do enigma.
Nos minutos seguintes os dois continuaram o que faziam, sem trocar nenhuma palavra. Eli continuou encarando o mecanismo complexo á sua frente enquanto o desmontava e reconstruía em sua mente. Jonas continuou andando em círculos, esperando algo acontecer.
Jonas levantou sua perna para outro passo, mas parou bruscamente, parando seu pé centímetros acima do chão. Ainda sim, o som de uma bota pisando no chão ecoou dos corredores.
Jonas se virou para a porta de onde o som veio e apontou a pistola para ela.
-Imitando meus passos para não eu te ouvir me seguindo. – Ele gritou. –Foi um bom truque e me enganou por um bom tempo, parabéns. Mas agora você vai sair daí com as mãos atrás da cabeça, dizer quem te mandou. Ou eu atiro.
Não ouve resposta. Jonas continuou completamente focado naquela passagem, e Eli observava para trás por cima do ombro, confuso e querendo perguntar o que estava acontecendo.
Então começaram os tiros.
A porta foi perfurada por um enxame de balas, voando por todas as direções, ricocheteando contra as paredes edeixando rastros prateados por onde passavam.
Jonas se abaixou e correu em busca de cobertura contra os tiros. Sua experiência e memória o guiaram para trás de uma coluna feita de cimento e coberta de Runas de Sol. Mesmo sem tocar na coluna e com a proteção de seu casaco ele pôde sentir o calor escaldando sua pele.
Do outro lado Eli havia encontrado outra coluna para se proteger.
Os tiros continuaram por alguns segundos, enchendo a sala com assovios das balas perfurando o ar e pedaços das paredes se partindo, antes de pararem e deixarem espaço para o silêncio.
-Você foi atingido? – Jonas sussurrou.
-Estou intacto. – Eli respondeu da mesma forma, mas com uma dose de pânico em cada palavra. –O que está acontecendo?
-Estão atirando em nós. Fora isso eu sei tanto quanto você.
Jonas se abaixou, mantendo a cabeça abaixo dos buracos de bala na porta. De trás da coluna espiou por qualquer sinal do atacante, mas apesar dos danos na porta ela continuava fechada e ninguém tentou entrar.
-Talvez ele tenha desistido. – Eli Aros voltou a sussurrar, com uma expressão de foco e certeza, mas cada vez mais pálida. – Talvez sua munição tenha acabado, ou então este ataque foi apenas uma distração para fugir.
-Não. Ainda tem alguém armado esperando do outro lado.
-Como você sabe?
-O atirador estava atrás da porta, mas depois que as balas pararam só ouvi uns dois ou três passos, então ainda está por perto.
-Durante todo este caos você ainda consegue contar passos?
-Eu pratiquei bastante. – Jonas Sussurrou. Ele se levantou e começou a se aproximar cautelosamente, pistola em mãos e apontada para baixo enquanto andava silenciosamente. Mais uma rajada de tiros atravessou a porta e o forçou a voltar para a proteção da coluna. – E o filho de uma pistola também consegue nos enxergar pelos buracos.
-Por que não entra aqui e nos rende de uma vez? – Eli continuou a sussurrar.
-Ele não sabe se estamos bem armados. É arriscado demais entrar aqui apenas para descobrir que temos espingardas e explosivos, então estamos em impasse. Provavelmente vamos ficar esperando por aqui até algo mudar ou alguém ficar desesperado. – Jonas parou para verificar o tubo de munição de sua pistola. –E com a sorte que tivemos até agora não somos nós que vamos receber reforços, então temos de escapar por aquele cofre.
-Muito bem. – Eli fechou os olhos e começou a respirar em fôlegos profundos e controlados, tentando se focar em sua parte racional no meio de todo o pânico e medo. Quando abriu os olhos estava pronto para resolver o quebra-cabeça. –O círculo exterior da porta já está resolvido, talvez eu consiga bloquear as runas se me aproximar, então o segundo círculo… – Eli foi interrompido quando Jonas se levantou e começou a atirar no cofre.
Runas de Ferro na pistola se iluminavam a cada disparo. Jonas atirava duas vezes antes de mover o braço alguns centímetros e repetir o processo.
Quando acabou, todas as runas da passagem deixaram de funcionar. Não havia mais correntes de eletricidade ou tempestades em miniatura, apenas símbolos distorcidos pelo impacto das balas.
-Jonas, o que… Como? – Eli tentou falar, confuso e com um pouco de raiva.
-Runas só tem poder quando estão no formato certo, e uma bala no lugar certo muda o formato delas. Já fiz isso centenas de vezes. – Ele respondeu enquanto retirava novamente o tubo de munição, contando as balas que sobravam. –Agora termine de abrir a porta enquanto te dou cobertura.
Jonas se levantou subitamente, se pôs de frente para a porta esburacada e começou a atirar com toda a intensidade que sua arma conseguia. Uma corrente constante de balas atravessou a sala; uma corrente menos intensa do que a produzida pela metralhadora a momentos atrás, mas o bastante para impedir que o inimigo pudesse contra-atacar.
Eli Aros correu até o cofre e começou a girar o segredo, torcendo para ter os números certos.
Os segundos seguintes se passaram com uma lentidão dolorosa.
Os tiros pararam. Jonas não precisou checar para saber que não tinha mais balas.
Um olhar rápido para trás mostrou que o cofre ainda estava trancado, e os passos do lado de fora mostravam que o inimigo estava voltando para outro ataque.
Jonas começou a correr; não em busca de cobertura contra o tiroteio que viria, mas em uma carga violenta.
A metralhadora estava prestes a atirar, suas Runas de Ferro brilhando na escuridão do correr, quando ele se colidiu contra a porta.
O metal se dobrou sob seu peso, destorcido e enfraquecido por centenas de balas que o atravessou, se desprendeu das dobradiças e caiu sobre a figura oculta do outro lado.
Jonas se jogou em cima da placa de metal para manter seu inimigo no chão. O impacto foi respondido com um grunhido de dor e um disparo de metralhadora; balas foram atiradas para o lado e atingiram a parede do corredor.
Um grave rangido de metal sendo arrastado veio da sala.
-Consegui! – Gritou Eli Aros.
Jonas se jogou para o lado, se levantou com o impulso e começou a correr enquanto o assassino empurrava a porta para longe. Ao reentrar a sala viu Eli Aros empurrando a porta com as costas e toda sua força, abrindo uma entrada para a Câmara de Giroscópio.
Veio outra cascata de tiros; Jonas sentiu os cortes que elas deixavam pelo ar. Ele se abaixou com as mãos sobre a cabeça e fugiu, correndo em curvas bruscas e repentinas para se tornar um alvo menor e imprevisível.
Ele chegou ao cofre e saltou pela brecha, imediatamente buscando proteção atrás da grande massa de metal.
Os dois arrastaram a porta de volta á sua posição original até ela se fechar e se trancar com o encaixar de travas mecânicas.
Os tiros pararam. Houve silencio. Os tripulantes do Robalo estavam sozinhos e seguros mais uma vez.
Eli Aros encostou sua cabeça contra o ferro gelado. Ele estava ofegante, ignorando tudo ao seu arredor, sentindo seu coração queimando e batendo como os pistões de um encouraçado.
Á frente dos dois estava a Câmara de Giroscópio: Um enorme salão redondo repleto de mecanismos e tubos de borracha. Haviam estantes cheios de livros pelo lugar, mesas de trabalho, ferramentas jogadas ao chão, roupas sujas, peças sobressalentes, placas de ferro, máquinas desmontadas, pequenas estátuas dos Titãs e até uma forja com sua própria bigorna.
No centro de tudo estava o giroscópio em sí: Oito anéis metálicos de variados tamanhos, o maior do tamanho de um homem adulto e o menor do tamanho de um punho fechado, um ao redor do outro, todos girando em intensa velocidade e flutuando dentro de um tubo de metal transparente. Toda a máquina era marcada por centenas de runas, não simplesmente gravadas no metal, mas feitas com gemas preciosas, safiras e rubis em maior parte, e no centro dela, no centro de todos os círculos, flutuava um diamante.
Todas as partes da máquina, toda a dança de peças e círculos que a envolvia, tinha um simples motivo: Gerar gravidade para todo o Porto-Lunar.
-Jonas, me faça um favor: explique o que acabou de acontecer. – Falou Eli.
-Alguém tentou nos matar. – Jonas respondeu casualmente. Ele andava apressado pela câmara, verificando cada passagem e cada saída da câmara. Todas estavam fechadas.
-Ah, eu devia ter adivinhado. Agora que temos o “o quê” do mistério, teria alguma sugestão do por que ou quem estava envolvido no crime?
-Talvez um pirata da Barracuda. – Disse Jonas, com as mãos ao redor da manivela de uma escotilha na parede. Ele tentou girá-la e puxá-la, sem qualquer resultado. – Mas é cedo demais para adivinhar. Prefiro resolver esse mistério no Açucareiro, onde tem mais bebida e menos assassinos.
-Certo… Certo. – Eli esfregou seu rosto com as mãos. – Certo, vamos nos concentrar no que fazer agora.
-Eu vou continuar procurando a saída daqui antes que nosso amigo ache a entrada.
-Muito bem. Neste meio tempo eu…
-Uma sugestão, senhor invasor. – Disse uma voz abafada logo atrás de Eli. – Tente explicar como vocês dois entraram aqui sem permissão.
Eli sentiu um calafrio vir da base da espinha até o que sobrava de seu cabelo. Ele imediatamente saltou para frente, pegou o objeto mais próximo no chão, se virou para a figura e a ameaçou com a arma improvisada.
-Titãs acima, não vou entender sua dança representativa. Use palavras! –O estranho falou.
Ele era um homem baixo e magrelo, de postura curvada como se para alcançar algo no chão. Todo seu corpo era coberto por roupas, sem deixar um centímetro de pele exposta ao ar: Botas grossas de borracha em seus pés; Calças e camisas amareladas com anos de manchas; Seu torso era coberto por um casaco negro que chegava aos seus calcanhares, de onde pendurava um martelo de ferro; O mais chamativo era a máscara de gás, feita com uma diversidade de tecidos e metais cinzentos, equipada com dois cilindros de ar e grandes lentes negras.
Eli encarou o visitante por alguns momentos enquanto se recuperava do choque, e lentamente abaixou o espanador em suas mãos. Do canto da visão viu Jonas se aproximando, uma mão sobre o coldre da pistola.
-Espere, este é o mecânico que estamos procurando.
-Ferreiro, por favor. – O estranho resmungou. – Jericó d’Damara, Ferreiro da Caligrafia Imaculada. Prazer conhecê-los e todos aqueles floreios extravagantes, agora digam como entraram em minha câmara.
-Ah, sim, claro. – Eli pigarreou, arranjando tempo enquanto lembrava-se do discurso que havia preparado horas atrás. – Eu sou Eli Aros e este é capitão Jonas. Nós viemos de um navio mercante que sofreu danos consideráveis. Ficamos sabendo que você é o melhor mecânico da cidade, então viemos procurar por sua ajuda.
-Como. Vocês. Entraram. – Jericó grunhiu.
-Obviamente nós resolvemos o quebra-cabeça na porta.
-Impossível.
-Era um quebra-cabeça particularmente complicado, mas com algumas horas e discussão nós…
-Não, a entrada literalmente não tem solução. – Jericó o interrompeu. – A porta está lá para eletrocutar visitantes idiotas… O que consistiria de todos os visitantes, agora que penso nisto.
-Eu atirei nas runas até quebrarem. – Jonas disse. Ele estava á certa distância dos outros dois. Seu olhar virava de um canto ao outro da câmara para descobrir de onde veio Jerico.
-E… Bem, eu também devo admitir que subornei um guarda em troca da senha do cofre. – Eli falou, timidamente.
-“O problema de um plano á prova de idiotas é que nunca se sabe o que um idiota irá fazer”. – Jericó recitou em um grunhido cansado. – Agora, por quê?
-Por que… – Eli parou para resistir à vontade de mencionar que já havia explicado seus motivos, ou a de reclamar do fedor intenso de óleo e suor que o Ferreiro exalava. – Nós dois somos da tripulação de um navio etéreo, o Robalo, que sofreu danos severos em um saque pirata. Nós damos muito valor á nosso navio, e ouvimos rumores de que você…
-Ah, os visitantes souberam da perícia deste com o alfabeto divino e querem meu serviço para si. – Jericó falava em sua voz distorcida pela máscara enquanto dava as costas para os dois, se dirigindo para uma das mesas de ferramenta e arrumando seus pertences. – Um Ferreiro não trabalha como um mercenário, mas procura pelo caminho com o qual pode refinar suas habilidades. Eu trabalho com o Giroscópio de um Porto-Lunar inteiro para iluminar minha alma, então quem são vocês que poderiam melhor alimentá-la?
Eli olhou para Jonas a procura de sugestões, mas este estava ocupado procurando passagens secretas sob o chão.
-Por acaso… – Eli Aros começou. – Ouviu os rumores sobre Baltazar Terceiro?
-Descendente de uma dinastia pirata. Associado aos Octavius. Preso em uma operação da União Hominae. – Jericó listou imediatamente. – Até aqui em baixo os boatos chegam.
-O senhor vai gostar de saber que fomos nós, a tripulação do Robalo, que terminou a carreira pirata de Baltazar. – Eli falou em um tom dramático, ignorando o olhar surpreso que Jonas lhe lançou. – Todos os eventos que levaram á prisão de Baltazar foram planejados por nós, livrando este sistema solar de um de seus maiores criminosos. Veja: o Robalo não é apenas um navio mercante, mas um local para aventureiros ousados que querem beneficiar a galáxia. É por isto que não queremos simplesmente os seus serviços temporários, mas sua presença na tripulação, Ferreiro da Caligrafia Imaculada.
-Não me diga. – O ferreiro Jericó sussurrou pensativo. Imediatamente pegou uma pena-caneta da mesa e começou a escrever na palma de sua luva antes de se voltar aos visitantes. – Quem são vocês, exatamente?
-Meu companheiro aqui é Jonas, capitão de nossa embarcação, herói de guerra e defensor dos inocentes. E eu sou Eli Aros, tesoureiro e experiente corsário.
Jonas quis parar e perguntar o que seu colega estava fazendo, mas decidiu que continuar a procurar por passagens seria um uso melhor de seu tempo. Em um canto havia uma caixa de recursos médicos, incluindo uma seringa de essência de enguia; ele decorou a localização daqueles itens caso um assassino entrasse na câmara.
-Palavras convenientes, mas como sei se são quem sonham que são? – Jericó andava ao redor de Eli, analisando suas roupas e gestos, como um cachorro julgando um estranho.
-Hora, nós três chegamos á apenas uma semana e já somos celebridades pela cidade. – Eli Aros exclamou dramaticamente. – Passe pelo Açucareiro, pergunte sobre Jonas, e eles falarão por horas sobre nossas peripécias pela cidade. Junte-se a nós e faça parte desta história.
-Impressionante. – Sir Jericó continuava a andar, desta vez ajustando as ferramentas em seu cinto. – O que farão quando seu navio voltar á saúde?
–“O que não iremos fazer” é a pergunta certa. Ainda estamos discutindo, mas temos todo um leque de oportunidades ao nosso alcance: Podemos trabalhar como comerciantes de produtos exóticos; corsários; caçadores de relíquias; pescadores de criaturas obscuras, e centenas de outras opções.
Eli Aros parou de falar quando viu o martelo nas mãos de Jericó.
O Ferreiro Jericó ergueu a ferramenta no ar e a golpeou contra o joelho de Eli, quebrando ossos com um estalado tão alto quanto o grito de dor que veio em seguida.
Eli desmoronou ao chão, sem conseguir fazer nada além de se agarrar ao seu joelho despedaçado. Por um momento conseguiu olhar para cima, viu Jericó erguendo o martelo novamente, e então não viu mais nada.
Jericó d’Damara estava curvado sobre o corpo inconsciente de Eli, verificando seu estado. Jonas veio correndo com a pistola em mãos.
-Largue o martelo e se afaste dele. Mãos atrás da cabeça. – Jonas gritou, deixando com que o brilho intenso das runas em sua arma deixasse claro o que poderia acontecer.
Jericó obedeceu, deixou sua ferramenta cair com um estrondo, mas sem mudar suas mãos de posição.
-Ponha. As duas mãos. Atrás da nuca. Ou vou atirar.
-Titãs acima sabem que preciso fazer isto. – O Ferreiro Jericó começou a se aproximar. Um passo lento atrás do outro. A espada dos Octavius pendura sobre a cabeça deste ferreiro, e entenda que preciso sacrificar vocês para me livrar dela.
-Não importa se está sendo chantageado ou se as vozes na sua cabeça disseram para fazer isto, se der mais um passo eu atiro.
-Como, se sua arma está vazia? – Jericó falou e apontou para a lateral da pistola. – O prateado das runas muda de tom quando não há balas no tubo para responder ao seu poder.
Jonas sabia que não havia mais munição no tubo, mas não sabia se Jericó estava blefando. Ele olhou rapidamente para a lateral da pistola, procurando alguma mudança qualquer em suas luzes.
Foi nesse instante que Jericó atacou.
Ele saltou pela pequena distância entre os dois, sua luva erguida para o alto, mostrando as Runas de Tempestade inscritas em sua palma, e com ela segurou a testa de Jonas.
O corpo de Jonas foi tomado por eletricidade e dor. O choque total de todos seus sentidos e a falta de controle sobre seu corpo. Aquela não era eletricidade natural, como um mero relâmpago, mas o poder de um Titã passando por cada peça de seu corpo. Ele viu luzes, um arco-íris piscando e girando na frente de seus olhos.
Então escuridão.
*****
No momento que voltou á consciência, Jonas sabia que estava envenenado.
Há medida que acordava ele reconheceu os efeitos da saliva de Serpente-Etérea: Dúzias de manchas roxas bloqueando sua visão; A câimbra fazia seus membros coçarem como se espetados por milhares de agulhas, principalmente onde as algemas prendiam seus punhos á cadeira; Toda a força de seus músculos havia escapado e tudo o que podia ouvir era um apito agudo de dentro de seu crânio.
Veneno de Serpente Etérea era uma das formas mais seguras de se manter um ser humano inconsciente, sem os riscos de infartos ou reações alérgicas que outros anestésicos traziam; o que explicava o preço exorbitante da substância.
Para Jonas isto significava que alguém queria capturá-lo não apenas vivo, mas em boas condições.
Apesar de ter sido eletrocutado antes de desmaiar, seu corpo não parecia ter sofrido danos. Apenas eletricidade rúnica, combinada com o controle de um especialista, teria aquele efeito. Jonas estaria impressionado com a habilidade de Jericó se não fosse a vontade de quebrar o crânio dele.
Em sua mente ele começou a listar os inúmeros inimigos com tempo e dinheiro para seqüestrá-lo daquele jeito. Lembrou que estava em uma cidade distante do resto da galáxia, e reduziu a lista apenas aos inimigos que fez no último mês. Ainda era uma lista considerável.
Então se lembrou de Eli, jogado ao chão com sua perna quebrada ao meio e uma poça de sangue sob sua cabeça. Naquele momento decidiu que não apenas escaparia dali, mas iria queimar o local até sobrarem apenas cinzas.
Há medida que seus sentidos voltavam, chegavam também às pistas de sua localização.
Ele estava em uma cadeira macia forrada com couro e esculpida em curvas suaves. Sob seus pés descalços sentia um tapete macio de veludo que se acomodava ás curvas de seus pés. Ainda vestia suas calças e camisa, mas todos os outros objetos estavam faltando.
Havia um perfume forte no ar, um cheiro nauseante de uma mistura de flores que escondia os odores de bebida e suor.
Sons abafados vinham de longe, de apitos e engrenagens, música e gritos, moedas caindo e dados rolando.
Quando as manchas coloridas se dissiparam, ele se viu em um grande escritório cercado de retratos á óleo em molduras de ouro: Pinturas de pessoas de cabelos grisalhos e rostos severos, vestindo ternos formais e jóias brilhantes.
Havia uma figura familiar no maior quadro da sala, alguém que vestia uma armadura de bronze e posava para o retrato em cima de um cavalo alado. Uma placa de prata logo abaixo identificava o homem: Salomão Octavius, fundador de uma das famílias mais influentes daquela galáxia.
Quando sua mente começou a clarear e perceber onde estava, Jonas imediatamente tentou escapar, procurando por seu casaco e qualquer pertence com o qual abrir as fechaduras. Não encontrou nada de útil.
Ele começou a deslocar os dedões para escapar das algemas, mas foi interrompido por um grupo se aproximando da sala com passos pesados.
Uma esmeralda pendurada no teto começou a tremer, a porta se abriu e as runas de sol no interior da gema se iluminaram mais. Uma voz invadiu os seus sentidos e conquistou todos os outros sons:
-E diga para lidarem com a delegacia esta tarde. Três galões de gasolina e um fósforo são o bastante. Deixe o jornal de nove dias atrás como lembrete. O Topeira vai se encontrar com Alexandre no dia seguinte para lhe lembrar de nosso acordo. – Disse uma voz severa de uma mulher. As ordens foram de forma veloz, mas não apressada. Havia uma autoridade naquela voz, uma confiança que Jonas reconhecia de generais experientes e acostumados ao poder. – E se este é nosso novo recurso, tragam o arquivo e concertem a cadeira. Eu não vou interrogar alguém olhando para seu ombro.
Passos se espalharam para diferentes direções da sala. Jonas tentou guardar suas posições em seu mapa mental, mas o veneno em suas veias roubou todo seu foco.
A porta se fechou, houve um clique de um interruptor e as engrenagens sob o piso começaram a trabalhar. A cadeira girou suavemente, até que ele estivesse de frente para uma mesa de carvalho, onde a luz batia em seus olhos da forma mais irritante possível. Todas as outras pessoas continuavam fora de seu campo de visão, mas perto o bastante para que não esquecesse que estavam ali.
-Jonas, sobrenome não existente. – Disse a voz para si mesma, em tom alto o bastante para ser ouvida claramente. – Nativo do planeta Neith, atualmente estabelecido na taverna do Açucareiro. Trabalhou no Robalo por treze anos, é capitão há duas semanas. Contatos incluem Eli Aros, a Agnae Morvana, Alice e Cecília Harlas.
-Me desculpe moça. – Jonas falou. – Mas eu meio que já sei disso tu…
-Quieto. Isto não é uma conversa. –Ela interrompeu sem mudar de entonação, e imediatamente continuou a sua lista. – Recentemente interrompeu negócios de nossos associados para pagar a dívida de um desconhecido, mandando cinco membros da gangue para o hospital no processo. Passou-se por um funcionário público, invadiu nosso cassino, conspirou com a União Hominae e capturou um lorde pirata sob nossa proteção.
Ela parou de falar um momento e folheou as páginas, então largou a pasta de documentos em cima da mesa, se sentou em frente á Jonas e disse:
-Muito bem, agora estamos conversando.
Jonas a reconheceu de um dos quadros: Madame Octavius, atual líder da família em Nova Glória.
Ela tinha cabelos grisalhos arrumados em um penteado prático. Suas roupas eram de um preto quase absoluto, incluindo um casaco de peles enfeitado com pedras preciosas. Em seus olhos cinzentos Jonas reconhecia uma intensa confiança em sí mesma, e a sensação de que ela estava completamente decepcionada em todos ao redor. Em sua mão havia uma xícara de café escaldante.
-Ótimo. – Jonas falou. – Para começar, você não devia interrogar prisioneiros por conta própria. Se eu estivesse no seu posto mandaria minha centena de empregados fazerem o trabalho. – Ele olhou para o lado, o máximo que a cadeira lhe permitia. – E algum de vocês pode me servir um pouco de rum? Dá para ver que isto vai demorar e eu preciso molhar a garganta.
-Por favor. – Ela disse, apontando para um dos guardas escondidos, que se levantou, serviu um copo, o entregou para Jonas e abriu uma de suas algemas. Em momento nenhum o guarda se deixou ser visto. – Afinal ele precisa se fingir de bêbado e abaixar nossa guarda de alguma maneira.
Jonas sentiu o frio em sua espinha e pânico em seu cérebro, o que não o impediu de manter a aparência de calma surpresa quando falou:
-Não sei quem vocês acham que eu sou, mas é difícil fingir de bêbado quando se está cheio de álcool. – Ele ignorou o copo e pegou a garrafa com a mão livre, a levou aos lábios e bebeu metade do seu conteúdo antes de botá-la de volta á mesa com um baque.
-Curiosidade: Nós sabemos que você tem Ferrugem de Alma e também sabemos todos os seus sintomas. – A Madame começou. – Os agentes da Octavius tem acesso á contatos em todo o sistema, e eu tenho acesso á todos os agentes da família. A lista de coisa que sabemos sobre você inclui desde “como se infiltrou em nosso cassino” e “o que fez durante a Guerra de Todas as Bandeiras”. É por isto que você estamos conversando: a família sabe exatamente quem é você, agente Jonas.
Desta vez Jonas perdeu o controle, deixando que aquele momento de pânico chegasse ao seu rosto. Era a sensação de que estava completamente nu em frente á uma platéia de centenas.
-Quer mais um pouco de rum? – Madame Octavius continuou. – Um café talvez? Nós temos laranjas, sua fruta predileta.
-Ta bom, já entendi. Vocês têm controle total da situação e eu estou em suas mãos. – Jonas levou sua mão livre até a algemada e bateu palmas. – Podemos pular para a parte onde me dizem o que querem?
-Sabe por que te recebi pessoalmente? –A madame cruzou as mãos e apoiou o queixo sobre elas. – É tradição familiar receber pessoalmente nossos empregados mais importantes. Se tivéssemos uma medalha para nosso recruta mais especial, ela já estaria no seu pescoço.
-Ah, entendi. – Ele se recostou contra a cadeira e relaxou, mesmo que apenas em aparência. – Eu sou um recurso agora, o pássaro na sua gaiola. Eu já passei por isto várias vezes, nos dois lados da mesa, e sei exatamente o que acontece depois: Vocês precisam de alguém para jogar o lixo fora, me lembram sobre como sabem tudo de mim, ameaçam me matar e eu faço o seu “favor”. – Com a mão livre fez um sinal imitando uma arma disparando. –Mas o problema deste plano é que eu não sou mais a pessoa que esse arquivo descreve.
Ela não respondeu, apenas levantou uma sobrancelha em sinal de curiosidade.
-O que estou dizendo é que fazem dez anos desde a guerra. – Jonas continuou. – Dez anos sem trabalhar em campo, sem uma rotina de treinamento, sem ensinar truques para novatos. Sabe o que isto faz com as perícias de alguém? Estou mais enferrujado do que meu navio.
-Para mim soa como se quisesse que nos livrássemos de você.
-O que eu quero é que sua “família” seja realista. Vocês estão me tratando como se ainda estivesse no auge da carreira, e não quero que me enviem para matar o primeiro ministro da União Hominae. Querem me subornar? Eu posso cooperar. Mas este plano de me tornar seu novo super-agente? Só vai decepcionar.
Madame Octavius o encarou com uma expressão passiva, retirou alguns papeis de seu arquivo, sem olhar quais eram, e começou a ler:
-“O indivíduo demonstrou capacidade de negociação, lidou com um confronto armado usando de recursos escassos, convenceu dois envolvidos na situação a se tornarem aliados; dentro do período de dois dias usou perícias destes aliados para conseguir o favor da população local, reuniu informações sobre os hábitos de um lorde pirata e sua localização, roubou uma delegacia da União Hominae, engenhou rumores sobre uma invasão policial á família, se infiltrou em propriedade Octavius, manipulou um lorde pirata a abandonar seu refúgio e ser levado á uma armadilha, onde foi subjugado e entregado á União por uma alta recompensa”.
Jonas resistiu a vontade de interromper e dizer que foram seus tripulantes que conseguiram tudo aquilo. Ele queria deixá-los nos holofotes dos Octavius o mínimo possível.
-Você não é mais o “jardineiro vermelho”, como te chamavam na guerra, mas não se engane: Nós sabemos exatamente o que esperar de nossos empregados. Mas para você ter certeza…
Ela folheou pela pasta, separou um grupo de documentos e o empurrou para Jonas. Ele esticou seu pescoço por cima da mesa para ver seus conteúdos: Um mapa de Nova Glória com um edifício circulado em vermelho; mapas de arquitetura do local; fotos em preto-e-branco de seus habitantes entrando e saindo do armazém durante a noite; um reporte escrito sobre todos aqueles no prédio; horários de suas atividades comuns, e no fundo da pilha um pedaço de pano com o símbolo pirata da lula caolha, cercada de peixes com dentes afiados.
-A tripulação da Barracuda. – Jonas sussurrou por entre seus dentes. – E tudo que preciso saber do local. Estão me mandando para matá-los?
-Isto seria simplesmente injusto. – Ela pausou sua resposta para um longo gole de café. – Portanto entregamos uma cópia de seus documentos para o novo líder da Barracuda. Ele está tentando se aliar á Octavius e ouvimos rumores de que vocês dois tiveram uma briga recentemente, então vamos deixá-los resolver suas diferenças e dar o emprego para quem sobreviver.
-E a minha tripulação? Se os piratas sabem onde eu moro também vão tentar matá-los. Suborne-me o tanto que quiser, mas não posso fazer nada se matarem minha equipe enquanto estou preso aqui.
-E é por isto que não iremos desperdiçar mais do seu tempo. – Madame Octavius disse e estalou seus dedos. Ela Ergueu a pasta no ar para que um guarda a recolhesse e se dirigiu para a saída.
Jonas começou a fazer uma pergunta, quando sentiu a agulha em seu pescoço.
-E não tente fugir, nós temos tanto espiões nos portos quanto fugitivos no fundo da lagoa. Divirta-se. – A Madame disse antes das portas se fecharem.
Jonas pôde sentir o veneno da serpente correndo em suas veias, paralisando corpo e devorando consciência.
De volta ao escuro.
*****
Jonas acordou e sentiu o cheiro das cinzas.
Os sentidos do capitão se recuperavam mais uma vez, mas o pouco de lucidez que tinha era o bastante para saber que havia um incêndio próximo.
O calor chegava atingia seu rosto como o hálito de uma fera faminta; o cheiro da fumaça invadia sua narina e fazia seus olhos lacrimejarem e a cacofonia de uma multidão ardia em suas orelhas.
Logo depois percebeu que estava dentro de um container de lixo.
Jonas abriu a tampa e escalou cegamente para fora da lixeira. Quando havia puxado metade de si para fora da caixa seus braços perderam a força e ele caiu no chão. Ele decidiu esperar por ali.
Tateando a si mesmo ele descobriu que haviam devolvido seu casaco, e dentro dele estavam os arquivos sobre a Barracuda. Seu quepe e sua espada ainda estavam desaparecidos.
As manchas de sua visão deram lugar ao céu noturno de Nova Glória, onde fumaça e brasas se espalhavam pelo céu. O container estava em um beco escuro, que levava á uma das principais estradas da cidade, onde uma multidão parecia se juntar.
Jonas juntou forças o suficiente para se levantar e mancar rua adentro em direção ao fogo. Enquanto alguns corriam, um grupo de pessoas havia se organizado em uma fila e passavam baldes de água entre si, da lagoa até o prédio em chamas e de volta para a água.
Minutos e ruas familiares se passaram até que ele chegasse á origem do fogo, onde o carro de bombeiros da cidade disparava uma nevasca por cima da estrutura: A delegacia da União Hominae
Os poucos membros do corpo de bombeiros de Nova Glória estavam sobrecarregados, se focando em evitar que o fogo se espalhasse para o resto da cidade de madeira velha.
Um público assustado assistia á distância, uma fila jogava baldes de água sobre o incêndio e os poucos guardas da União Hominae tentavam manter ordem no público.
Havia um indivíduo isolado da multidão, entre ela e o fogo, quase imóvel. Jonas o reconheceu e cambaleou até ele.
O xerife de Nova Glória era um homem desgastado, vestido em seu uniforme branco com detalhes em índigo e com um par de óculos de proteção sobre seu rosto enrugado. Seus cabelos e bigode grisalhos estavam sujos de fuligem, mas nada parecia lhe incomodar enquanto encarava o prédio em chamas.
Debaixo de seu braço havia um jornal enrolado, amassado e de bordas queimadas, mas inteiro. Um vislumbre da primeira página foi o bastante para Jonas reconhecer a notícia principal: “Lorde Pirata Preso Por União Hominae Em Bairro da Cidade”.
Ele estava a metros do xerife, pensando no que dizer. Ele queria gritar para todo o público ao redor quem era o responsável pelo incêndio, quem tinha toda a lua sob seu poder e que haviam tomado controle de sua vida logo quando começou a reconstruí-la.
Ao invés disso se virou para a casa em chamas. Seus olhos viram o edifício vazio sendo desfeito pelo fogo, enquanto os olhos de sua imaginação viam o Robalo no meio das chamas.
-É melhor você se afastar, menino, aqui é perigoso. – Disse Alexandre, como um avô falando com seu neto. – Espere com os outros enquanto nosso corpo de bombeiros termina seu serviço.
Jonas tentou pensar no que dizer. Sua mente estava como um céu tempestuoso coberto de nuvens negras, com raros relâmpagos de clareza.
-Eu sinto muito. – Foi tudo o que conseguiu dizer antes de se virar e partir, ignorando qualquer resposta e qualquer perigo, deixando sua culpa e outras distrações de lado.
Sua tripulação estava em risco mortal. Nada mais importava.
*****
Movna havia encontrado um raro momento de paz e tranqüilidade.
Ela meditava no chão do galpão, pacificando sua mente através de respirações controladas. Sua expressão era de pura serenidade, em contraste com seu olho roxo e nariz enfaixado.
Ao seu lado estavam os restos do Robalo, erguidos em um palco de ferro. O navio havia sofrido danos severos em uma batalha contra um navio pirata, e agora esperava por alguém que pudesse concertá-lo.
Do outro lado, Eli Aros jazia inconsciente sobre um colchão, de cabeça enfaixada, perna engessada e ligado á uma bolsa de soros e anestesia.
A porta do galpão se abriu e por ela apareceu um braço esquelético de metal. O braço começou a acenar e então chacoalhar.
-Sou eu, Alice. – Disse a voz atrás da porta. – Por favor, não atire.
A atendente do Açucareiro entrou no balcão, segurando o braço desencaixado com sua outra mão metálica, ainda vestindo seu avental de trabalho e com suor escorrendo de sua testa.
-Saiu cedo hoje. – Movna disse sem se mexer ou perder a concentração.
-Hoje não tem quase nenhum cliente. Fiquei preocupada quando minha irmã veio socorrer vocês, então achei que ninguém se importaria se fechasse o bar mais cedo. Como vocês estão?
-Eli não acordou. Jonas não apareceu e eu falhei minha missão. Um dia ruim. – Movna falava em um tom neutro e sem emoção, entre fôlegos.
-Eu sinto muito. – Alice andou até o lado de Eli. – Se importa se eu perguntar o que aconteceu com Ele?
-Quando voltei para o Açucareiro ele estava jogado em frente á porta, chamei ajuda de sua irmã e o deixei aqui onde é seguro.
-Não tem nenhuma idéia de quem fez isso com ele?
-Não.
-O que Cecília disse sobre… Sobre a condição dele? – Alice perguntou, se sentando sobre uma caixa de madeira de frente para Movna.
-Estável, mas pode ter uma contusão no cérebro… – Movna teve de parar de falar por alguns segundos para conseguir manter seu foco, tendo de sussurrar mantras Agnae. – Ele pode ficar bem ou pode nem acordar. Não temos veneno de Serpente-Etérea, então sua irmã vai voltar daqui algumas horas para aplicar mais anestesia.
-Minha irmã pode ser irritante, mas ela ainda sabe manter pacientes vivos. E Eli é um Hominae Flora então deve ter mais chances de se recuperar. – Alice falou em um tom tranqüilizador, mas sua preocupação era visível. – E você, como está?
-Fui para a base pirata, mas era uma armadilha. Acertaram minha cabeça com uma tábua e cai do segundo andar. Foi humilhante, mas vou ficar bem.
-Eu quis dizer se você vai ficar bem com tudo isso que está acontecendo. Se esta conseguindo lidar com o estresse. Você parece calma agora, mas não sei se é só aparência ou quanto tempo vai durar.
-Manter calma nas piores horas é uma das primeiras lições que nós Agnae aprendemos. – Na voz de Movna havia reverência e formalidade incomuns á ela. – Meditação e foco em meus objetivos vão me manter no controle de meus medos
-Foi com esse controle que quebrou metade do galpão? – Alice Harlas olhou ao redor, notando os restos de caixas, móveis e tábuas jogadas pelo chão, partidos em pedaços pelo chão.
-Às vezes é preciso gastar sua raiva em alguma coisa antes de ter paciência para meditação.
-Algumas pessoas usam hobbies para se acalmar.
-Eu faço artesanato. – Movna comentou. – Mas ontem passei a noite espalhando armadilhas pelo galpão, e abrindo uma saída de emergência no porão. Agora estou sem materiais.
-Mhm… – Alice resmungou antes de encaixar o braço solto em seu ombro e amarrar as cintas que o prendiam ao seu corpo. Foram necessários alguns segundos para que o membro voltasse á vida, lentamente recuperando seus movimentos. – E quando não puder mais meditar? O que você vai fazer?
-Vou me concentrar no que posso fazer. –Movna respondeu, com uma espécie de raiva fria tomando conta de suas palavras. – Encontrar Jonas, descobrir o que aconteceu e encontrar os culpados. E é aí que libero toda a raiva.
Alice mastigou aquelas palavras quietamente, exceto pelos rangidos de seu braço enquanto o esticava e o girava para recuperar seus movimentos. Então falou com toda a honestidade que tinha:
-Você já deve ter seu próprio jeito de lidar com crises, mas se tiver qualquer problema, se precisar de ajuda ou de dividir qualquer coisa, eu estou disponível.
-Obrigada, mas já agüentei crises piores e sem. – Movna parou quando ouviu alguém espreitando pelo lado de fora.
Ela se levantou, fez um sinal de silêncio para Alice, esgueirou até a porta e esperou ao lado dela. Cuidadosamente ela levou a mão ao cabo da faca escondida sob a camisa.
-Sou eu, Jonas. – Disse a voz atrás da porta.
-E o que mais? – Movna disse enquanto firmava seus dedos no cabo da arma. Havia uma série de códigos combinados pelo grupo que poderiam ser dados em resposta, que significavam desde “estou em perigo me ajudem” á “piratas estão me ameaçando neste momento”.
-Por favor, não atire. – Veio a resposta. “Estou sozinho e desarmado”. Movna abriu a porta e viu Jonas parado em frente á saída, como um espantalho no centro de um milharal. – Eu tenho más notícias.
Horas depois, meditação já não ajudava Movna mais.
Capitão Jonas continuava a contar sua história enquanto ela andava em círculos pelo galpão, seus punhos tremendo de raiva.
-… E da delegacia vim para o Açucareiro, vi que estava vazio e vim para cá. – Jonas terminava de contar o que aconteceu naquele dia, sentado no chão ao lado de Eli Aros– E… É isso. Agora que achei vocês eu não sei mais o que fazer.
-Mas eu sei. – Ela parou e se virou para Jonas. – Os filhos de uma pistola estão no cassino, não é? Vamos até lá e quebramos os braços e pernas deles. Problema resolvido.
-Eu não sei em que ponto do cassino me levaram; podia ser no térreo ou até o subterrâneo. E estamos sendo vigiados; se tentarmos qualquer coisa contra eles vão matar nossos contatos e incendiar o Açucareiro.
-Não vão conseguir fazer nada disto com braços quebrados.
-Movna… – Jonas esfregou seus olhos, tentando tirar as cinzas e cansaço de seu rosto. – Eles praticamente controlam todo o crime organizado da galáxia. Mesmo se invadirmos o local e espancarmos todo mundo, os Octavius no resto do sistema vão simplesmente mandar mais agentes para cuidar do problema, e se espancarmos estes agentes nada os impede de mandarem ainda mais gente e destruir a lua inteira.
-Eu sei! – Movna gritou e ergueu seus braços para cima. – Não tem como vencer, eu sei disto, mas e daí? Não vamos fazer nada? Vamos ficar parados e virar escravos?
-Eu quero fazer algo, me vingar e ficar livre dos Octavius, mas um confronto direto só vai nos fazer sofrer mais.
-Então faça algo indireto. – Movna falou com fúria vazando de sua palavras e dando lugar á tristeza. – Faça um de seus planos geniais, que nem com Yaakov ou a Barracuda. É por isso que você é o capitão.
-Desta vez meus planos infalíveis não vão funcionar. A Família sabe exatamente quem eu sou e já conhecem meus truques e todos os meus aliados, incluindo vocês duas. Eles me decifraram. – Jonas falou com tremor em sua voz. – O que temos de fazer é fugir de Nova Glória, encontrar um novo porto e começar de novo ali.
-Seus segredos? – A voz de Movna se abaixou, se tornando quase um sussurro, mas mantendo a mesma mistura de fúria e tristeza de antes. – Por isso vai fugir? Não conseguiu manter seus preciosos segredos e agora vai abandonar tudo? Até o Robalo?
-Eu… – Jonas parou e fechou seus olhos por um momento, juntando forças para o que iria dizer. – Eu tenho de abandonar meu navio para salvar a tripulação. Eli está ferido, toda a tripulação da Barracuda quer nossas cabeças e sabem exatamente onde vivemos. Eu prometi que formaríamos uma grande tripulação, mas dá para ver que não vamos conseguir fazer isto em Nova Glória, não com meus amigos tendo de se esconder em um galpão escuro e correndo o risco de serem assassinados. Nós já recomeçamos uma vez, e agora temos de fazer isto em outro lugar, onde a gente tenha mais sorte.
Movna tentou responder, mas não conseguiu pensar nas palavras, enterradas em uma lagoa profunda de raiva e frustração.
-Não tenho certeza se vai ser útil, mas eu tenho uma história. – Disse Alice Harlas. Durante toda a discussão ela permaneceu sentada, de braços e pernas cruzados, observando com um olhar calmo. Ela esperou até que olhassem para ela com curiosidade, um sinal implícito de que podia continuar. – Eu e minha irmã morávamos na rua quando éramos crianças, tínhamos de pedir dinheiro para viver e contávamos moedas para comer. Então nós conseguimos trabalho numa fábrica, onde não ganhávamos muito, mas era muito melhor do que nada, e achávamos que era o começo de nossa nova vida e na nossa cabeça íamos ficar ricas em alguns anos. E então houve o acidente. – Ela levantou suas mãos para todos verem, mexendo todos seus dedos esqueléticos. – Eu estou fazendo sentido ou estou gastando seu tempo?
-Continue. – Movna disse gentilmente. Jonas concordou com um aceno de cabeça.
-Nossa vida voltou a ser tão difícil quanto antes. – Alice continuou. – Quando a Guerra de Todas as bandeiras começou, minha irmã conseguiu emprego como enfermeira e eu recebi um par de braços em troca de trabalho nas minas, o que nós duas consideramos que seria o novo começo de nossas vidas e a solução de nossos problemas, mas a guerra deixou ainda mais feridas… E isto aconteceu tantas vezes, com nós duas achando uma nova forma de começar, as crises nos seguindo de perto, e então recomeçando de novo. Estão me entendendo?
-Acha que temos de ficar aqui? – Jonas perguntou.
-Não, de jeito nenhum. – Alice ergueu as palmas para o alto, como se pudesse parar aquela linha de pensamento. – Eu não quero que vocês arrisquem. Eu só quero que vocês saibam, quando partirem daqui e se mudarem para outro Porto-Lunar, que recomeçar sua vida sempre é difícil e nunca vai ter uma vez em que tudo dá certo. Quando chegamos num lugar novo há aquela sensação de otimismo e centenas de possibilidades, mas os problemas começam e temos aquela vontade de simplesmente mudar de novo, achando que a próxima vez vai ser a certa quando só estamos desperdiçando tempo em um ciclo sem fim. Em algum momento vocês vão ter de parar e simplesmente insistir num caminho, mesmo que pareça mais fácil mudar para outro.
Movna refletiu sobre aquela história. No canto de sua visão ela viu Jonas fazendo o mesmo. Ele tocava distraidamente na própria canela, encostando algo escondido sob a manga da calça.
-E se eu não tiver tempo o bastante? – Jonas perguntou. – E se eu não puder começar de novo, mas o meu caminho atual arrisca matar meus amigos?
Alice se preparou para responder, quando a porta foi quebrada em pedaços.
Cinco piratas invadiram o galpão, armados com sabres e pistolas, vestidos com casacos portando a bandeira da Barracuda. Antes de Movna reagir eles já estavam apontando suas armas.
-Vocês agora são prisioneiros da Barracuda. – Um dos piratas gritou. Ele era mais alto que todos naquela sala, e em sua cabeça havia um chapéu de três pontas enfeitado com uma pena vermelha. –Aquele que se mover sem nossa permissão terá a garganta degolada e o corpo atirado na lagoa.
Movna, Jonas e Alice ficaram paralisados, tanto por surpresa quanto por saberem o que acontecia com aqueles que faziam movimentos súbitos nestas situações.
O tempo se arrastou enquanto os piratas se espalhavam pelo balcão, formando um semicírculo ao redor dos três, formando um semi-círculo ao redor de Jonas, de onde tivessem uma clara linha de tiro ao redor dele.
Os instintos de Movna gritavam para que ela saltasse sobre os invasores e quebrasse o pescoço de cada um. Ela preferiu dar ouvidos aos seus anos de treinamento, e analisou a situação cuidadosamente em busca de fraquezas em seus inimigos.
A tripulação da Barracuda tinha a vantagem numérica, estavam armados e preparados para atirar. Não havia como ganhar uma luta direta, mesmo que ela fosse a melhor guerreira de todos os Agnae, pelo menos não sem arriscar a vida de Eli e Alice no conflito.
A única opção que via era surpreender os piratas e vencer a luta no breve momento de confusão, tornando o que seria uma luta desigual em uma execução.
Movna permaneceu quieta enquanto procurava alguma forma de provocar aquela surpresa, encontrando uma esfera de vidro pendurada ao teto, uma das armadilhas preparadas por ela para aquelas emergências. Ela resolveu esperar, tanto pelo momento certo quanto por alguma forma de comunicar seu plano com os outros.
O pirata de chapéu empenado deu um passo á frente, vasculhou toda a sala com seu olhar de ódio até encontrar e se focar naquele que procurava. – Capitão Jonas, por acaso se lembra de mim?
Jonas se levantou, de forma lenta e cuidadosa para não assustar alguém e levar um tiro, com uma expressão de leve frustração, como se simplesmente tivesse de levantar mais cedo da cama.
-Talvez, mas não tenho certeza. – Ele falou com palavras preguiçosas. – Você era aquele cara que andava com aquele pirata, seja lá o nome dele.
-O nome é Sergei, servo leal da Barracuda e da dinastia dos Baltazar. E você é o patife que traiu meu senhor.
-Hm, eu não me lembro de nenhum de vocês. – Jonas falou. Em resposta Sergei o atingiu no rosto com o cabo da espada e o derrubou. Ele se virou, encarou o pirata com a expressão apática de antes, cuspiu um pouco de sangue no chão e voltou a falar. – Não, sinto muito, continuo não lembrando.
-Pois irá lembrar. Os Baltazar tem dominado esta parte da galáxia há três gerações, dominaram este sistema solar, fizeram parte da Frota Negra e lutaram ao lado do próprio Lorde Staunen. Mas por sua causa o último herdeiro da família foi capturado em uma cidade no fim do mundo. – Sergei falava um intenso desprezo em cada palavra. Ele moveu sua espada até que a ponta pairasse a alguns centímetros dos olhos de Jonas. – Mas agora nós vamos resolver isto. Todos aqui agora são meus prisioneiros, sua base está cercada por ainda mais membros da Barracuda e não há mais polícia para interromper sua interrogação. Vocês vão me revelar exatamente o que aconteceu com Baltazar Terceiro, não importa quantos dedos eu tenha de cortar.
-Quase tudo que falou é verdade, exceto a parte onde posso te ajudar a encontrar seu capitão. – Jonas tocou na ponta da espada com um dedo e cuidadosamente a empurrou para o lado. – Foi a União que o prendeu. Agora ele deve estar em uma prisão no outro lado do sistema. Vocês podem arrancar meus intestinos e me enforcar com eles, mas não tem nada que possa fazer por vocês.
-Chega de suas mentiras. – Sergei gritou. – Você já enganou e trapaceou nossa tripulação uma vez, mas não mais. Eu já fui informado de sua aliança com o xerife na noite em que emboscaram meu capitão. Você irá arranjar uma forma de resolver nossos problemas até o fim da noite, e se não tem medo pela própria vida… – Ele se virou para outro pirata e apontou para trás. – Peguem A loira do Açucareiro, cortem os pés dela até que o capitão pense melhor, e façam o mesmo com a Etérita se não funcionar.
Pelo canto de sua visão, Movna viu Alice parada na mesma posição que estava desde que a porta se quebrou, olhando para a cena com olhos arregalados e com suor escorrendo por seu rosto.
Movna fechou seus punhos, preparada para atacar qualquer que ameaçasse sua amiga, não importava o número de piratas.
-Espere, tenho uma idéia. – Jonas gritou antes que qualquer um pudesse se mover.
-É claro que tem. – Sergei grunhiu. – Diga.
-Sim, mas não tem nada a ver com libertar Baltazar, não seja idiota. O que eu percebi é que a Madame Octavius vai te matar mesmo se conseguir seu capitão de volta.
Movna viu o rosto de Sergei tomado pelo choque, seus olhos se arregalando e sua boca tentando formar palavras em vão. Sua surpresa durou pouco, sendo substituído pela raiva.
-Como você sabe sobre a Madame? – Disse Sergei.
-Vai ser difícil de você entender, mas vou dar uma dica. – Jonas colocou as mãos ao redor da boca no formato de uma concha, e falou em voz alta como se estivesse anunciando para uma platéia. – Eu estou trabalhando para ela do mesmo jeito que você, seu imbecil.
-Eu disse chega de mentiras, você não vai nos enganar de novo. – Sergei guardou sua pistola e levantou o corpo magrelo de Jonas pela gola.
-Pois foi ela que me pediu para acabar com você, e até me deram uma pasta com seus segredos, e o mapa do armazém onde sua tripulação fica. Ela disse que você tinha recebido uma cópia de minhas informações, mas se você não sabia que eu trabalhava para ela…
Sergei não respondeu, apenas continuou ruminando de raiva.
-Agora entendi. – Capitão Jonas continuou. – A Madame não dá a mínima para você ou a sua dinastia pirata. Ela nos botou um contra o outro, mas isto não é uma competição; ela quer que a tarefa seja difícil para eu me provar, mas ela quer ver você falhar.
Sergei jogou Jonas no chão. Ele começou a chutá-lo, esmurrá-lo e lhe bater com o sabre, com uma fúria e violência de enxame de piranhas ao redor de um pedaço de carne.
Jonas apenas se encolheu no chão, protegendo as partes frágeis de seu corpo com seus braços e pernas.
Movna percebeu todos os piratas observando a cena atentamente, se aproximando para vê-la melhor. O momento certo para agir.
-Alice, em cinco segundos você vai ficar abaixada, pegar Eli e correr para o porão.
Movna deslizou a mão até a faca sob sua camisa e a atirou para cima.
A faca atingiu a esfera de vidro no teto e a partiu em dúzias de estilhaços, espalhando o pó branco que havia dentro.
A nuvem de fumaça cobriu o interior do galpão e todos aqueles que o ocupavam, tornando a cena em massa área cinzenta e as pessoas em vagas silhuetas. O caos veio logo depois, seguido por gritos e tiros. Runas de espadas e pistolas brilhavam no meio do cinza, revelando a posição exata daqueles que as seguravam.
Movna imediatamente investiu contra os piratas, pois aquela não era mais uma luta justa.
Ela se abaixou para evitar ser atingida pelos tiros de pânico, e rapidamente chegou até uma das silhuetas que sabia ser um inimigo. Ela agarrou seu braço e quebrou o punho que segurava uma pistola, logo antes de jogar o pirata ao chão, levantar uma bota e esmagar suas costelas.
Os gritos do pirata foram o bastante para chamar a atenção dos outros, que mesmo quase cegos se viraram para a silhueta de Movna e começaram a atirar. Ela voltou a correr em um caminho rápido e imprevisível. Atirar nela era como tentar atingir um pássaro no céu noturno.
Uma bala a atingiu de raspão no braço, deixando um rastro vermelho quente de dor, mas não a impediu de chegar a outro pirata. Um golpe na barriga o fez se curvar para frente, dando oportunidade para um golpe em sua nuca que o nocauteou.
Uma terceira tripulante da Barracuda avançou em sua direção. Ela golpeava o ar com o sabre, desesperadamente tentando atingir alguém.
Movna manteve distância, dando passos ligeiros mas cuidadosos para trás, se mantendo logo fora do alcance da lâmina.
Houve um golpe mais lento que os outros, um momento oportuno que ela usou para agarrar o cotovelo de sua inimiga e se aproximar. Movna quebrou o nariz da pirata com a palma e acertou sua garganta com a lateral da mão.
Antes mesmo que a pirata caísse no chão, Movna saltou para a direção de outra silhueta armada, pousando com a bota sobre o joelho dela. Ele quebrou com um estalido violento.
Antes que o dono do joelho pudesse gritar, um soco atingiu sua mandíbula com a força de um martelo.
O último pirata caiu. Movna estava cercada de pessoas caídas, inconscientes ou de alguma forma incapazes de se levantar.
Aquilo não foi uma luta justa. Foi uma ave de rapina caçando roedores despreparados.
-Vocês estão bem? – Gritou a voz de Jonas no meio da escuridão. Movna reconheceu sua silhueta magrela no meio da cinza, com uma pistola em mãos.
-Alice foi para o porão, levando Eli. – Ela gritou de volta. – Eu lidei com meus piratas, eles vão ficar no chão por um tempo. O que aconteceu com o seu?
-Eu derrubei Sergei e peguei sua arma quando a fumaça caiu, mas ele fugiu para fora do galpão antes que pudesse acertá-lo. Todo o resto da Barracuda está esperando lá fora, eles vão entrar aqui no momento que a fumaça abaixar.
-Para o porão. – Movna respondeu logo antes de correr para o alçapão e entrar por ele, seguida de perto por Jonas.
Quando os dois desceram as escadas para baixo, passos pesados e tiros agudos já soavam pela entrada, à medida que nuvem de pó se dissipava.
Mas os piratas da Barracuda não encontraram ninguém no Balcão quando finalmente entraram; apenas rastros que levavam ao labirinto debaixo da cidade.
*****
Nos túneis de Sub-Glória, a tripulação do Robalo fugia de seus assassinos.
Jonas seguia a frente, com a pistola em mãos pronta para atirar, mas apontada ao chão para evitar acidentes.
Alice Harlas seguia logo atrás. Ela permaneceu em completo silencio durante a viagem, sem reclamar de seu cansaço ou do perigo em que estava. Seus olhos, por outro lado, mostravam toda a sua exaustão.
No fundo da fila seguia Movna levando o corpo pesado de Eli Aros, com os ouvidos atentos aos inúmeros ruídos que os cercavam.
Fazia meia hora desde que entraram em Sub-Glória, através de uma passagem de emergência no porão do galpão. Eles passaram este tempo acompanhados constantemente pelos ecos dos piratas que os perseguiam.
Os piratas da Barracuda se dividiram em grupos, seguindo por várias direções e tentando cercar a tripulação do Robalo, mas Jonas conseguiu evitá-los com sua experiência com os túneis e sua paranóia constante.
O grupo chegou á uma câmara. Ela tinha apenas uma única passagem que poderiam vigiar facilmente enquanto cuidavam de suas feridas. Ainda mais importante na câmara eram as escadas na parede dos fundos: uma passagem de volta á Superfície.
-Alice, você… – Jonas começou.
-Jonas eu sinto muito. – Ela interrompeu. – Eu queria ajudar lá atrás, mas tudo que consegui foi ficar parada vendo tudo acontecer.
-Você… Está se desculpando? – Ele respondeu confuso e um pouco impressionado. – Foi por minha culpa que quase te cortaram em pedaços, eu é que devia estar me redimindo.
-Capitão. – Movna sussurrou aquela palavra com severidade.
-Manter foco, entendido. Alice, preciso que vá para a superfície e leve Eli até sua irmã.
-E vão ficar aqui como distração? Nenhum de vocês precisa morrer para eu escapar. Podemos subir todos juntos.
-Não vamos morrer. Nós Vamos ficar aqui em baixo e resolver esse problema. – Capitão Jonas falou. -Se eu subir com você, podemos até escapar. Mas Sergei vai continuar nos procurando, e vamos viver escondidos até Madame Octavius se cansar de esperar e levar ele até mim, ou matar nós dois de uma vez. Ela quer ver seus empregados brigando e vai mexer todas as engrenagens que precisar para isso, então vamos fazer esta briga aqui onde temos a vantagem e ninguém inocente vai se machucar.
-Você não está em estado de lutar com ninguém. – Alice olhou para o rosto e braços dele, infestados de pequenos cortes, marcas roxas e manchas vermelhas. Um de seus olhos mal se mantinha aberto, inchado por baixo e manchado do sangue que escorria de um ferimento em sua testa. – Só vocês dois e sem nenhuma arma…
-Não vamos simplesmente entrar em um tiroteio contra eles, nós vamos trapacear. Eu tenho um amigo nesta parte dos túneis que é um especialista em armadilhas, que vai dar abrigo e ajudar com o plano que vai lidar com nossos inimigos sem nenhum risco. – Ele colocou as mãos sobre os ombros de Alice. – Eu estou te devendo pela ajuda e pelos problemas que eu te causei, e nem os titãs acima vão me impedir de sobreviver, voltar para cima e pagar minhas dívidas.
A expressão de Alice Harlas se tornou severa, ela se preparou para falar, mas apenas concordou com a cabeça e começou a subir as escadas.
Quando chegou ao topo, Movna lhe passou Eli, e fechou a tampa de metal que separava Sub e Nova Glória, deixando os dois membros do Robalo sozinhos com os ruídos dos túneis.
-Você mudou de idéia. – Falou Movna, de braços cruzados e olhar de curiosidade. – Antes queria fugir daqui, agora que está sendo caçado quer ficar.
-Eu percebi algo quando estava no chão sendo esmurrado: Se eu correr, eles vão me alcançar e me derrubar, então vou ficar e trapacear meus inimigos até eu ser o cara dando os socos.
-É isso que queria ouvir, capitão. – Movna sorriu como uma criança recebendo um presente. –Por onde começamos?
-Vamos atrair a Barracuda para longe desta saída até Alice ter tempo de escapar. – Jonas explicou. – Eu reconheço essa parte dos túneis, e meu amigo está perto o bastante para nos esgueirar até a casa dele.
-Esse amigo… Ele é quem estou pensando?
-Sim, e essa reunião vai ser mais desagradável do que você imagina.
Quando os dois chegaram á Câmara de Giroscópio, a porta de metal ainda estava quebrada e aberta.
De dentro podiam-se ouvir as canções rúnicas dos mecanismos e do Giroscópio, mas quando Jonas se aproximou ouviu um barulho novo: Batidas repetidas de metal contra metal, diferente do som de qualquer máquina de Sub-Glória.
Movna seguiu a frente com passos silenciosos. Jonas esperou do lado de fora até que ela voltasse e lhe desse o sinal de mão combinado, mostrando que a área estava segura, e entrou cuidadosamente. Foi então que começou a ouvir a voz de Sir Jericó, trovejando pela câmara.
“Dos titãs vem a imagem da perfeição, e de suas pegadas vem a caligrafia do universo”
A voz dele ecoava como o rugido de um tigre e tinha a força de vontade de um imperador.
“De sua geometria sagrada vem poder; de sua forma imaculada vem a verdade; cada Runa, um segredo para oitenta vidas.”
Jonas esperava ver uma figura imponente dando um discurso á um público gigantesco, mas quando chegou perto viu que era apenas a figura recurvada de Sir Jericó, sozinho entre a sujeira e metal.
“Titã Sulutroil, paquiderme que esmaga cidades com pés de cobre, cuja Runas reinam sobre ferro e aço, espada e martelo. Em suas letras busco sabedoria.”
Ele trabalhava á chama de uma pequena forja, segurando um martelo com o qual batia repetidamente contra uma placa de ferro incandescente, e com a outra mão ele segurava uma grande pinça de metal com a qual mantinha a placa no lugar.
“Seu Ferreiro perdeu seu caminho, faltou em vontade, falhou em virtude, se deixou ser manipulado; Como sua caligrafia traz força ao metal, eu busco força na forja; Como o bater do martelo dá forma e o cinzel escreve suas Runas, eu busco ordem em sua arte. Mais uma vez, me construo um servo digno.”
Ao redor de sua forja havia dúzias de placas de metal jogadas ao chão, suas superfícies completamente tomadas por inscrições de Runas.
Jericó deixou o martelo de lado, parou de falar e mergulhou a placa num barril de água ao lado. A água respondeu com um chiado e uma nuvem de vapor. Em nenhum momento ele pareceu reconhecer a chegada de visitantes.
Jonas sinalizou para que Movna o acompanhasse enquanto se aproximava do Ferreiro. Quando chegou a uns poucos metros de distância, se abaixou e pegou uma das placas no chão. No momento em que a tocou, as dúzias de símbolos em sua superfície começaram a reluzir com um brilho cinzento. Ele assoviou em admiração.
-Você ficou bem ocupado depois que nos traiu. – Jonas falou em voz alta. – Runas de Ferro comuns precisam de concentração para brilhar assim. Estas aqui devem ter levado muito trabalho, ou muita culpa.
Jericó não respondeu, apenas continuou de costas para Jonas e se concentrou em seu trabalho.
-Fazer tudo isto deve precisar de muito trabalho ou muita culpa. – Jonas repetiu mais alto e mais irritado, sem nenhuma resposta. – Titãs acima, presta atenção quando alguém tentar te intimidar.
Jericó olhou para trás de relance, percebeu os dois visitantes em sua câmara e então se virou totalmente.
-Visitantes, não interrompam um Ferreiro no meio de suas preces, eu… – Ele virou sua cabeça de lado, como um pequeno animal ao encontrar algo que o confunde. – É você…
Jericó se virou para onde deixara o martelo e saltou em direção á ele, conseguindo alcançar e agarrar o cabo da arma.
Movna, porém, foi mais rápida. Em um curto momento ela já estava ao lado dele com uma faca erguida, e a fincou para baixo.
A lâmina perfurou a longa manga do casaco de Jericó e se prendeu na mesa de madeira por baixo, prendendo também o braço e o martelo que segurava.
Jericó ergueu a outra mão, mostrando as Runas de Tempestade inscritas em sua luva, e atacou Movna com um toque eletrificado. Ela o agarrou pelo pulso e torceu seu braço contra suas costas.
Logo Sir Jericó d’Damara estava indefeso, com ambas as mãos presas e sem saber o que fazer com suas pernas. Ele deu um longo suspiro de decepção pela sua máscara.
-Eu declaro derrota, capitão. Este Ferreiro sabia que receberia vingança pelas suas ações, por mais que esperasse adiá-la. – Jericó divagou melancolicamente. – A última batalha pela minha vida foi curta, e estou pronto para minha execução, por mais longa que seja.
-Muito bem, vamos acabar logo com isso. – Jonas jogou a placa para o lado, andou calmamente até onde Jericó estava, com os braços atrás de suas costas e um sorriso maldoso nos lábios, e falou. – Este capitão precisa de sua ajuda.
Todos permaneceram quietos por um longo momento.
-O que? –Respondeu Jericó.
-Nós dois temos problemas com a Octavius. Nós devíamos nos juntar e resolver este problema juntos. – Jonas explicou. – Você me ajuda com os meus inimigos infestando os túneis, e nós ajudamos você a se livrar da Octavius.
-Uma forma curiosa de se propor uma aliança. –Jericó olhou para o braço preso pela faca e então para o outro, ainda torcido contra suas costas. –Há pouca diferença entre os métodos seus e a da Família, usando violência para conseguir favores.
-Da última vez que vim aqui, você quebrou a cabeça do meu amigo com um martelo. – Jonas respondeu. – E agora já ia usar o mesmo martelo de novo.
-Ah. – Jericó respondeu, concordando com a cabeça. – Faz sentido.
-Nosso amigo não acordou até agora por sua causa. – Movna sussurrou entre seus dentes. – Agradeça ao capitão por eu não esmagar seu crânio contra a bigorna.
-O tesoureiro é um Hominae Flora, ele não só sobreviverá como se recuperará completamente. – Jericó d’Damara respondeu. – Ele não seria alvo de meu martelo se eu não soubesse que ele iria sobreviver. Assim como quando eletrocutei seu capitão eu controlei as runas para não matá-lo.
-Pode soltá-lo. – Jonas ordenou, e Movna imediatamente largou Jericó e guardou a faca de volta em sua bota. – E quando me entregou para a Octavius, sabia se eu ia sobreviver?
-Não, eu não sabia. – Jericó abaixou sua cabeça, balançando-a tristemente de um lado para outro. – Tudo que conseguia ver em minha frente era a chance de me livrar da família, e de seu controle sobre mim.
-Sabe, eu entendo. Ainda te odeio pelo o que fez com meu amigo, mas entendo. – Jonas começou. – Eu sei como é ter sua vida tomada por alguém maior que você, e ter de ir contra seus valores. Ainda vai demorar um para te desculpar, mas até lá ainda podemos trabalhar juntos e recuperar nossas vidas da Octavius.
Jericó encarou Jonas. Todas as expressões e sentimentos do Ferreiro estavam escondidos atrás de sua máscara e seus estranhos maneirismos.
Ele se virou bruscamente e correu câmara adentro.
Movna levantou seus braços em posição defensiva e Jonas alcançou sua pistola, mas ambos se acalmaram ao ver Jerico d’Damara voltando com dois objetos à mão: Um sabre negro e um quepe de capitão.
-Você guardou minhas coisas. – Jonas sussurrou admirado. – Mas você não sabia se eu ia voltar.
-Uma memória de minha traição e também um troféu que neguei aos meus inimigos. Agora, senhor do Robalo, estou convencido de seus motivos para lutar, mas posso confiar em sua capacidade para vencer?
Capitão Jonas abriu um sorriso, grande o bastante para chegar aos seus olhos e mostrar o brilho de seus dentes, e colocou o quepe em sua cabeça, demonstrando com orgulho o peixe laranja costurado nele.
-Eu tenho um plano. – Ele disse. – Observe e veja.